Outrora longos, viu-os desaparecer, fio a fio, como se os contasse, olhava de forma lânguida aqueles finos e frágeis cabelos. Escorriam-lho pelos ombros e por fim caiam no chão, de forma suave e paulatina. Toda a sua vida mudara no instante em que soubera da notícia, queria desaparecer para não sofrer. No entanto, todos lhe deram força para continuar a lutar. Aquele lenço na cabeça era a sua marca, aprendeu a não se envergonhar da sua situação. Agora era uma mulher forte e determinada, com esperança de que tudo fosse passageiro e plenamente convicta que tudo tinha uma razão, nada acontecia por acaso. Talvez fosse uma prova, um castigo, ou uma partida do destino!
O tempo passou, o vento ficou mais sereno e, aos poucos, os seus cabelos cor de ouro começaram a crescer. Voltava a ser a mesma de sempre, o sorriso acendeu-se e tudo retomava o seu curso!
Lá em casa chamavam-lhe «lencinho» e, habitualmente, usavam o mesmo adorno em sinal de normalidade, não forçada, mas necessária. Era feliz e compreendida!
A sua filha era quem mais a apoiava, era alegre e vincadamente teimosa naquilo em que acreditava. Todavia, estes últimos meses tinham ido muito abaixo. Pese embora o facto de sua mãe estar completamente recuperada, tinha perdido as forças e o ânimo. Algo não ia bem, sentia-se desesperada, mas não mostrava. Sem saber bem porquê o azar tinha chegado à sua porta. E agora vejo-a, a caminhar neste corredor, com passos suaves! Entra no quarto, baixa-se custosamente e retira-o da gaveta. O lenço vermelho ia ter a mesma utilidade!
terça-feira, 22 de abril de 2008
Lenço
terça-feira, 1 de abril de 2008
Brinquedo
Oh aquele brinquedo que o fazia viajar, querer chegar lá! Que grande e belo, estupendo de faces rectas e traços vincados. Virava, girava, esticava, metamorfoses forçadas pelas mãos da criança que grita, chora e vive!
Oh esse brinquedo que lhe transformava o coração, esse "brinquedo de corda", transfigurado em algo irreal. Sentia a cabeça a voar, os segundos a esvanecerem pelos dedos sujos da terra, o cheiro a terra molhadas, e o verde cintilante da relva acabada de plantar. Era o ciclo da vida, na sua potência máxima. E a criança brincava, feliz e descomprometida, naquele seu jeito tão próprio.
Com aquele brinquedo, apenas aquele, conseguia colocar o seu pensamento noutro local, um rodopio em catadupa frenética. Em torno dele podia partir e chegar àquela estação do sonho, onde se conheceram e despediram. Lembras-te? Oh o sonho cresce, enche o espírito de vontade. E não digas que é estupidez querer o imaginário.
Com o brinquedo viajava, sim, ia àquele sítio e voltava, gostava de fazer amigos. Eram momentos solitários, mas repletos de momentos intensos.
Aninhava-se baixinho, sorria intensamente, fechava os olhos vincadamente, apertava o brinquedo contra o peito e partia. Que ritual tão simples e singelo!
Aquele simples brinquedo era assim, consumia-lhe as forças, mas dava-lhe vida. Através dele conseguia personificar-se, através dele era feliz. E não é ridículo por ser utópico. Ridículo é não sonhar, ridículo é não viver.
Ai, o meu brinquedo!